sexta-feira, 14 de março de 2014

MEMÓRIAS DE UM FUNERAL...

Memórias de um funeral... Todo dia a moça saia no mesmo horário pela manhã. Ela pegava o ônibus e ia trabalhar. Ela  tinha acabado de se formar em engenharia, tinha 25/26anos, estava se preparando para casar em menos de um  mês.Minha família tinha recebido o convite da formatura,não fomos porque tivemos compromisso e fazíamos planos de ir ao casamento que já tínhamos sido convidados também. A gente  morava na mesma rua, só tinha contato de oi  ou de  comentários a respeito de algo cotidiano, papo de gente que não tem intimidade, em encontros casuais. O meu último encontro com ela, tinha sido durante a greve de ônibus, em que a gente não teve como ir trabalhar por falta de transporte. Eu, pelo menos não tive, ela, disse que ia ver se o noivo motorista de taxi poderia levar e buscar do serviço. E a gente riu muito e conversou sobre ter um descanso inesperado e depois trabalhar dobrado  para cobrir a folga no meio da semana. Ela era uma moça bonita, morena clara, olhos azuis esverdeados, inteligente , simpática e boa filha. Era uma boa pessoa, pelo pouco que a conheci. Um dia, lá pelas cinco da manhã, ouvi um grito, urro, um pedido de ajuda desesperado.Pulei da cama, sai correndo  para a sacada da lage da casa dos meus pais, olhei para baixo e lá  na rua ,estava a mãe da moça gritando gesticulando , desorientada. Perguntei o que tinha acontecido e ela só dizia palavras desconexas, entre urros e grunhidos. Então, fui ao quarto dos meus pais, e os chamei , disse  que a mulher estava doida gritando no meio da rua, clamando pela filha. Eu nunca poderia imaginar o que viria depois disso. Fui encontrar a mulher para saber direito o que estava acontecendo,  ela me levou ao quarto da moça ,que estava na cama toda contorcida, um semblante que lembrava um gato empalhado, uma coisa horrível de ver , até para quem nem tinha muito contato com a moça.Voltamos para a rua , que agora, já tinha minha mãe e outras pessoas da vizinhança que tinham ouvido os gritos da mulher , cada vez mais altos Perguntei   a mulher, o que podia fazer para ajudar, ela me pediu um copo de água com açúcar  e eu corri a buscar , sem saber que a mulher era diabética. Fui telefonar para os outros filhos , dando a noticia ruim, ao mesmo tempo que fazia um apelo que eles viessem para casa da mãe porque ela estava muito abalada. A mulher repetia aos prantos , a última noite da filha que duas vezes  foi dar boa noite , beijar e dizer que a amava, como se fosse uma despedida , e foi.  Na confusão toda, com o tempo a família chegou e eu não sei como apareceu por lá, o rabecão do IML(Instituto Médico Legal),  a rua e a vizinhança em polvorosa, a mulher passando mal, efeito do copo de água com açúcar que eu tinha dado . Deu minha hora, eu fui para o meu serviço, pensando na brevidade da vida, porque há menos de uma semana a gente tinha comentado que a gente vivia dentro do ônibus, correndo de lá pra cá, que a vida da gente era somente trabalhar, viajar de ônibus, estudar, e em casa a gente só ia para trocar de roupa e dormir , quando dava. Eu tinha somente 19/20 anos e me deparei com alguém com uma trajetória de vida  muito parecida com a minha ,que tinha se acabado, antes de começar a desfrutar das conquistas, dos frutos daquilo que plantou  com sacrifícios. Mais tarde, recebi a noticia que o enterro seria no mesmo dia e apesar de não querer ir ,fui, porque eu queria terminar o que eu tinha começado e quem sabe , ao ver a moça no caixão eu tirava da memória o rosto contorcido que parecia gato empalhado. Fui ao funeral, e foi triste ver a mãe, o pai, os irmãos  se despedirem , em meio aos comentários da mãe que dizia que a filha  era alegria do natal e o natal nunca mais ia ser o mesmo(detalhe,  era começo de ano )... O irmão que dizia que a moça era quem abria a porta para ele , quando ele voltava das noitadas... Mas, o pior de tudo foi ver o noivo beijar a noiva sem vida, e ver na cara dele , o olhar perdido de quem quer encontrar algo que o faça acordar do pesadelo da vida real. Confesso ,que lembro do último encontro com ela viva e das risadas, lembro  dela no quarto , morta, tao diferente e não lembro do rosto no caixão, apesar da lembrança do noivo a beijando na boca.   Tudo tão triste, tudo tão rápido , tão efêmero... Um dia a moça viva, outro dia a moça morta. A Vida tão breve , a morte tão viva diante de mim. Uma lição para a vida toda, um choque de realidade que aos urros, berros e beijos sem reação, mostra que a vida da gente é para gente viver plena e intensamente , leve e da melhor maneira que der. Só se vive uma vez.!!  Viva a vida!!

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